“Em 2004 a Iris veio ao mundo, uma criança linda que trouxe grandes surpresas.
Nossa Iris veio cheia de luz, mas nasceu com uma doença genética rara chamada Atrofia Muscular Espinhal.
A AME é uma doença neuromuscular que causa a perda gradativa de força de forma generalizada e que atinge nos dias atuais 1 em cada 10.000 nascidos. (Na verdade, já se fala em 1 a cada 6000 nascidos). É a segunda maior causa de óbito em crianças até 2 anos de idade. Uma doença pouco conhecida, sem cura e ainda sem um tratamento específico acessível e que fez nossa família ter um olhar muito diferente sobre a vida.
A AME fez a Iris ser cadeirante, mas a Iris é também uma criança ativa, divertida, cheia de invenções e peraltices de uma criança feliz que adora a vida e contagia quem a conhece. Ela é corajosa e inteligente. É forte mesmo sendo frágil. E é linda por dentro e por fora.
O diagnóstico foi certamente o momento mais difícil, mas buscar informações nos levou a encontrar outras famílias e descobrir uma rede incrível formada por laços de amor. Pessoas que não se conheciam, mas estavam dispostas a partilhar informações e solidariedade em momentos difíceis. Em uma missão que consiste em distribuir cuidados, carinho e conhecimento precisamos ser uma família disposta a estender a mão.
Quando a Iris nasceu não havia sequer uma pesquisa que tivesse atravessado as fases de ensaios em laboratórios. Hoje são inúmeras delas em ensaios clínicos em seres humanos. Temos um medicamento aprovado que foi desenvolvido especificamente para tratar a AME. Isso é uma vitória sem precedentes e significa que nós conhecemos uma doença sem cura, mas isto está prestes a mudar. Vamos conhecer uma doença tratável!
Hoje nossa luta tomou uma proporção muito maior. É pela Iris, mas também é por muitas outras pessoas que estão vivendo com essa doença.
E essa luta está além de uma medicação, ela virá, ou elas virão, mas o entendimento doloroso da realidade que nos cerca e das inúmeras necessidades de mudança nos faz buscar melhores caminhos todos os dias.
Um tempo atrás escrevi um texto onde eu dizia que toda essa busca pela qualidade de vida da Iris se resumia na teoria do abraço! Daquele que não olha sua roupa ou conta bancária. Aquele que traz sempre bons sentimentos, boas idéias. Baseia-se simplesmente no abraço. Aquele que fortalece e traz coragem e equilíbrio para enfrentar os medos de um enorme desafio.
Nós nos sentimos abraçados por pessoas que não conhecíamos, nós aprendemos que abraçar outras famílias era algo tão importante que nos fez deixar de lado muitas coisas para simplesmente estar junto, estender a mão. E nessa caminhada chegaram muitas coisas… alegrias, tristezas, dificuldades, esperança… mas também infinitos abraços!
Todos os dias, durante anos, vimos crianças partirem, vivemos situações muito intensas, mas ver uma criança saindo de um hospital para casa não tem preço! Ver uma família se levantar diante do maior desafio que possa existir não tem preço! Ter na memória olhares que jamais poderia descrever… não tem preço….
Nós definitivamente não estamos sozinhos! E de repente me pego falando não da Iris, mas do que nós nos tornamos com a chegada da Iris.
O diagnóstico aconteceu quando a Iris tinha apenas 1 ano e 8 meses, ouvimos que ela não viveria três anos e que nada que fizéssemos seria suficiente, nós apenas estaríamos adiando o inevitável.
Ouvimos que ela não andaria, que nunca iria nadar ou andar de bicicleta, que perderia seus movimentos e que iria parar de engolir e respirar.
Mas acreditamos sempre que um diagnóstico não é destino e passamos a travar uma luta intensa e ininterrupta para alcançar qualidade de vida e fazer com que a Iris fosse feliz e tivesse muitas experiências. Nós buscamos uma vida plena para ela.
Mas também precisávamos buscar informações, aprendizado, equipamentos, tratamento adequado, e mais que tudo, tínhamos que viver!
Nos mudamos de cidade, tentamos protegê-la de infecções respiratórias frequentes que poderiam se agravar facilmente, nossa vida financeira ficou completamente desequilibrada, deixamos de lado sonhos e profissão e nos dedicamos aos cuidados necessários a ela. Gastos que nunca conseguíamos suprir. Muitos momentos difíceis passaram, mas buscamos inúmeras formas de proporcionar a Iris o que ela precisava. E como foi difícil cada etapa, vê-la chorar em exames, buscar por uma órtese que nunca chegava, a dificuldade em ter uma cadeira de rodas adequada, as temidas pneumonias, internações, a chegada do bipap, a cirurgia de escoliose… mas vencemos até aqui!
Seu tratamento sempre foi uma prioridade, passei a estudar tudo sobre essa doença ainda tão pouco conhecida. Inúmeros congressos, encontros, fomos a todos os lugares possíveis para aprender mais. Nessa jornada a missão de distribuir cuidados, carinho e conhecimento também passou a falar mais alto. E lutar pelos direitos das pessoas com deficiência, especialmente pelas famílias que lutam contra a AME tornou-se trabalho diário e constante. Organizar eventos de conscientização, conferências e acompanhar famílias com o mesmo diagnóstico se tornou natural e diário.
O Projeto Viva Iris também nasceu dessa história de amor. E o “Amor sobre 4 rodinhas”, projetos lindos que querem falar de igualdade de oportunidades e liberdade….
A vontade de proporcionar a Iris um tratamento adequado nos levou a tomar caminhos que nunca imaginamos. Aos poucos o oportunidade de proporcionar este tratamento para a Iris tem se tornado também a oportunidade de proporcionar este atendimento a outras crianças, não só com AME.
Nós fizemos de nossa casa um espaço de reabilitação, mas precisávamos de mais espaço para trazer reabilitação com amor, com diversão, com crédito. Sempre é possível melhorar e ir além. Nenhuma família, nenhum ser humano merece receber uma condenação. É preciso mudar os rumos e dar chance as crianças, as pessoas, de mostrarem onde podem chegar.
Receber um diagnóstico tão difícil fez nossas vidas darem voltas. Enfrentamos inúmeras situações complicadas. Mas também pelo mesmo motivo recebemos inúmeras oportunidades de aprender a sermos pessoas melhores. A palavra resiliência fez morada em nossa casa. E o sentimento de gratidão por ter tamanho privilégio em sermos pais de uma criança tão especial é quase impossível de descrever.
Essas palavras são somente um pedacinho de nossas vidas. Seriam muitas mais para descrever nossas conquistas e tropeços. Relatar como o maior prêmio de um atleta foi se tornar pai da Iris, ou como tudo isso tenha virado um pequeno filme de 6 minutos que nos parece tão longo. O filme se chama “ Antes que os pés toquem o céu” e foi um presente pelos 10 anos de Iris.
Aquele aniversário que foi tão significativo e todos os outros que continuam sendo. Poder vê-la dançar, andar de skate, cantar em um teatro lotado, pilotar sua cadeira motorizada o mais rápido possível, nadar em uma represa ou sentir as ondas do mar. Brincar na roda gigante, viajar para muito longe, descobrir as coisas que ela gosta e tudo o que ela quer ser ou fazer. Todos os dias poder olhar para ela dormindo e ver seu sorriso ao acordar. Perceber sua generosidade, sua amorosidade e também entender os defeitos que ela tem como ser humano, e participar desse processo, de vê-la crescer. Seu olhar, seu riso, sua presença. Cada dia de vida. Cada história para contar!
Estamos conhecendo um mundo novo através dela e é uma viagem realmente grandiosa.
Escrevi em 2011, um pequeno texto que falava da Iris. Ele continua absolutamente atual. A Iris me ensinou a ser mãe, mas também me ensinou a ser uma pessoa melhor! Ela também fez do Ricardo um campeão, o maior troféu é cada amanhecer com alegria mesmo diante da adversidade.
A limitação é algo muito subjetivo…
O que escrever sobre a IRIS???
É antes de tudo uma criança linda, alegre, um serzinho iluminado e às vezes….muito teimoso!
Todos os dias antes de dormir e ao acordar é hora de agradecer a Deus por tê-la exatamente do jeitinho que ela é. Foi através dela que conhecemos muitas coisas. As piores dores, as melhores alegrias, o amor verdadeiro. Conhecemos pessoas incríveis, passamos por momentos incríveis e vivemos em um aprendizado constante.
As pessoas imaginam muitas coisas quando olham pra ela, imaginam como é difícil a vida de uma família com uma criança especial. Mas apesar de tudo a vida se transforma e se mostra, antes de tudo, maravilhosa. A certeza de sermos pessoas melhores, com outra visão de mundo, com corações completamente modificados.
Primeiro e antes de tudo vem um enorme choque, uma sensação de impotência. Um porquê que você nem sabe pra quem perguntar. Mas pra quem tem uma Iris a resposta vem rápido.
O nome dela foi escolhido por que era o nome de uma flor linda, porque setembro era o mês da primavera, porque a íris é a menina dos olhos….mas principalmente porque Iris era uma deusa que levava as mensagens dos homens aos deuses, e trazia as respostas dos deuses aos homens.
Ela é a resposta a tudo. A cada oração.
Olhar para ela por si só já é um alento, já nos faz sorrir. Seu riso, seu olhar, seu cabelo….seu jeitinho de cantar…. tudo nela traz a certeza de que a vida é boa, de que Deus é maravilhoso, de que cada dia é um nova e incrível oportunidade.
Talvez eu pudesse ficar horas, dias escrevendo sobre ela. Todos os momentos que passamos dariam um livro. Desde os momentos difíceis, passagens por hospitais, dificuldades…até os momentos de riso fácil, de leveza de alma.
A Iris tem amiotrofia, mas isso é um mero detalhe. O que move o caminhar são seus passos enormes em direção a tudo que ela desejar alcançar, porque temos plena certeza de que ela será tudo aquilo que quiser ser, porque é capaz. Simples assim.
A dificuldade de cada um está presente a sua maneira e não é isso que nos deixa parar. Ficar imóveis. Ao contrário, da dificuldade é que se criam os degraus para emergir e respirar, continuar sempre seguindo em frente.
Iris não anda. Mas ela é tão cheia de vida, tão cheia de luz que corre pela casa, pelos cômodos, por entre mim. Porque ela preenche todos os espaços…
Uma menina mocinha, cheia de sonhos, de vontades, de espertezas, argumentos, inundando de amor…. é quase inacreditável lembrar que um dia uma médica ousou ter a coragem de nos dizer que não viveríamos isso, que não a teríamos por 3 anos, que nada poderíamos fazer por ela….
Tamanha ignorância….
Nessa hora você se desespera, chora, passa mal…. mas com o raiar da luz de um novo dia você percebe que Deus mandou um anjo direto para dentro da sua casa. E aí só existe um caminho a escolher: ser feliz e lutar, não importa o que aconteça! “